28 julho 2009

a minha vida vale mil imagens que não se vêem

Entre todas as coisas que gosto de fazer nesta vida, hoje mesmo, agora já, é meter-me no carro e ouvir rádio até de madrugada. Estrada fora: um cigarro, uma música e uma boa história. E assim percorro a noite na redoma do meu carro, que está dentro da redoma sonora da rádio, que está dentro do lado esquerdo da minha alma. Palavras, canções, vozes e todas as imagens apenas e só dentro de mim. Às vezes acho que é a única razão para ter carro. É a rádio que estraga a minha visão ambientalmente sustentável da cidade.

23 julho 2009

criações mamíferas 5

Os políticos e os pensadores deste país criticarem e queixarem-se da abstenção dos portugueses nas eleições.

Depois de ler ana de amsterdam só me ocorreu pensar que bem pior do que os portugueses não irem votar é a abstenção metódica dos políticos e comentadores. E depois queixam-se. O não comprometimento é uma das piores formas da condição humana. E toca a todos, mesmo que às vezes o estrume esteja à porta e o cheiro seja insuportável.

22 julho 2009

pub emocional

Os conselhos para a vida são como a publicidade no intervalo dos filmes ou de uma boa série, são uma seca. O meu preferido, que chega a dar vómitos, é: "Se eu não gostar de mim quem gostará". Há outros mais refinados como o"Você é a sua melhor companhia". Mas logo hoje dei comigo a ser a publicidade no meio da seca de vida de uma amiga. Ou seja, enviei-lhe via msn uma variação mal escrita desses slogans rasteirinhos: "tu tens é q sentir-te bem com o q fizeste e n precisas de ng para te fazer sentir emlhor". Contextualizando: a minha amiga cumpriu hoje, com grande estilo, uma difícil tarefa profissional e estava triste porque de momento não tem ninguém (ser masculino) que se sinta orgulhoso dela e a faça sentir feliz. Contextualizando ainda mais: a minha amiga queria ter a seu lado um homem que reconhecesse o ser maravilhoso que ela é. E eu, lá vai disto, disse-lhe a verdade. Porque por muito pimbas que sejam esses conselhos, tirando-lhes a foleirice, o cliché e a desidratação intelectual, são verdadeiros como o caraças, esse mito urbano. Como podemos esperar que os outros nos reconheçam se nós próprios não somos capazes de nos reconhecer? Esta frase que acabei de escrever acabou também de me dar vontade de chicotear-me fortemente com o fio do carregador do telemóvel, que é o instrumento de tortura que tenho mais a mão, mas é a verdade. E já que estou neste caminho sem retorno, penitencio-me com mais um spot (a minha vida segue dentro de momentos, após este intervalo para pub emocional): Ninguém me compreende. E... ? E têm de ser os outros a compreender-me, se eu própria, tantas vezes, na minha escrita interna, não ponho um a à frente de um b? Depois disto vou pôr o filme a correr e desejar que tenha um final feliz, de preferência com a minha amiga a arranjar um namorado que valha a pena. Porque mais cedo ou mais tarde, depois de termos dado uns quantos beijos e abraços em nós próprios, surje alguém que vai gastar a saliva connosco e encenar aquele beijo cinematográfico que todos queremos, mesmo que o outro esteja de quarentena com gripe A. Somos uns pirosos, e a culpa nem sequer é da publicidade.

20 julho 2009

o gosto dos outros 4

"Sua P.... do C... és uma V... ficas sempre a rir e ganhas sempre... Sua P..."

Mulher jovem num largo de Lisboa, Julho de 2009


Na quinta-feira à noite, assisti a um episódio de "faca e alguidar" ou de faca na liga, não sei bem como se diz. Lisboa de mão na anca estava ali no largo onde eu moro aos berros, a jorrar lágrimas de dor e de raiva que subiram em repuxo até ao meu terceiro andar, entupindo uma veia do coração da cidade. Um avc emocional em potência. Ali estava ao vivo um corpo de dor. Observei a cena sem pudor, de cima, com a distância física e o conforto de quem não faz parte da estória. Mas, sem saber bem porquê, senti humedecerem-se os meus olhos e o coração contraiu-se. Ali estava aquela mulher, pareceu-me bonita, bem arranjada, perto dos 30, ou talvez um pouco mais, a debater-se nos braços de um amigo que a tentava chamar à razão e devolver-lhe a dignidade sem sucesso. Enquanto isso, outra mulher, também ela bonita, pareceu-me, afastava-se em silêncio pela mão de outro homem. Nisto, o corpo de dor abateu-se sobre o chão e ali ficou uns bons momentos a sacudir-se ligeiramente, como se as últimas emoções vividas estivessem lentamente a dar de novo lugar ao verdadeiro ser que habita aquele corpo. Pareceu-me que era uma das histórias mais velhas do mundo: um homem e duas mulheres. Já todos conhecemos o argumento. E assim, na quinta-feira à noite, houve mais uma mulher que confundiu o que sente com aquilo que é verdadeiramente. Fosse ela boa ou má namorada (?), tivesse ela toda ou nenhuma razão, não sei nem me interessa, ela é seguramente um ser muito melhor do que aquele em que minutos antes se transformou pela corrente de emoções que as pobres células do seu corpo não souberam processar. E ela ficou entupida da cabeça aos pés, das mãos ao coração, com a alma submersa. A dor tem a força de uma maré viva e à onda que bateu na minha janela eu não soube o que fazer, molhou-me os olhos e eu devolvi-a sabendo que nada podia fazer por aquela mulher a não ser fechar a janela e voltar ao meu sofá. A dor é pessoal e a cura intransmissível.

16 julho 2009

cidade 24

Há anos que venho a embirrar com o facto de Lisboa fechar a cozinha cedo. Já perdi a conta ao número de noites de folia, ou de stress pós traumático laboral, em que esganada de fome bati com o nariz na porta de restaurantes que já não servem pratos, nem copos, nem sequer uma cadeirinha para sentar e descansar os ossos. Para um país que acaba tarde o trabalho, cujos ritmos dos seus habitantes estão cada vez mais longe do ciclo 9 às 5 e demoram, muitos deles, horas infinitas nos percursos casa-trabalho-casa de amigos-eventos culturais e festivos... fechar a cozinha cedo é um pecado. É claro que podemos ir para casa e fazer-nos ao frigorífico e ao fogão (dirão os mais orientados na vida) mas isso dá trabalho e não tem, como diz a F., o "ambiance" do restaurante ou do bar. Lisboa tem de contemplar cada vez mais os galdérios e os que sofrem do "síndrome de fome nocturna súbita", como eu. E os galdérios e doentes são muitos. Há, e vão surgindo aqui e ali umas honrosas excepções, e a coisa parece começar a compor-se, mas ainda não se pode falar num roteiro gastronómico lisboeta fora de horas. E lá vamos nós debulhando umas tostas mistas (maravilhosa invenção para quem pode comer pão a toda a hora) nos bares. Eu depois de comer uma tosta dá-me vontade de dançar a noite inteira ou caminhar bairro acima e abaixo para desmanchar as calorias na calçada (se for de saltos então, a marcha trabalha músculos de que às vezes nem nos lembramos ter). Mas do que eu não estava à espera era de me queixar disto: Lisboa também devia começar mais cedo! Porque há quem se levante cedo e queira ir para uma esplanada cedo e tomar o pequeno-almoço cedo, ler a sua revista e pensar na vida com uma limonada ou um chá... cedo. Esta é que nunca me tinha ocorrido... Mas digam-me lá se faz sentido, em plena Baixa-Chiado, por exemplo, à pinha de turistas, que se levantam cedo, estarem praticamente todos os sítios mais giros fechados às 9 da manhã? Como pode ser que em pleno Verão caminhemos por uma das zonas mais turísticos da cidade e a maior parte das esplanadas e espaços de restauração abrirem às 10H, ou às 11 ou até ao meio-dia como confirmei eu hoje? É claro que há muitos locais que às sete da manhã já estão a fritar bifanas ou a servir meias de leite, mas sabem que eu estou a falar de outro tipo de espaços, daqueles onde apetece estar e, sobretudo, esplanar. Hoje andei a torrar ao sol grande parte da manhã à procura de um lugar à sombra, para ver a cidade passar e, assim entretida, pensar no dia antes do dia propriamente dito e o máximo que consegui foi, já eram nove horas, sentar-me numa muito nobre esplanada do Chiado onde o pequeno-almoço custou o que eu não queria pagar para estar ali. Mas bem se safam, pois não havia mais nada aberto e ainda tive de esperar por mesa. Não me interpretem mal, a esplanada é boa e a história do local honra a cidade, e bem faz a gerência em abrir cedo, pena é que outros não sigam o exemplo. Caros comerciantes da restauração, pensem nas pessoas que adormecem tarde e se levantam cedo, nos que se levantam tarde e vão para a cama tarde, nos que se lavantam cedo e vão para a cama cedo, pensem em todos nós, pensem na vossa carteira e no futuro de Portugal. Abram a cidade a tempo de todos comerem e beberem à hora certa para cada um. A mim já me basta ter uns quantos amigos e a família disseminados pela Área Metropolitana de Lisboa, e outros em cada ponta de Lisboa, cada um com seu horário, que é uma chatice para combinar qualquer coisa e às vezes parece que estamos a organizar uma mega conferência internacional, com mapas de localização enviados por e-mail, combinações avulsas de boleias a partir de várias casas e empregos, ou em esquinas e ruas que depois ninguém sabe bem como se lá vai, enfim. São horas que se demoram a combinar locais de encontro que sejam acessíveis, que ainda não tenham fechado com base na fórmula: distância, trânsito, ponto de partida e dechegada... A matemática que aprendemos na escola não nos ensinou isto. No meio de tudo apanho sempre muita fome e muitos nervos. Sobra a amizade, que sempre nos salva, e o frigorífico lá de casa.

14 julho 2009

se...

Se eu fosse uma bandida, seria assaltante de bancos ou de obras de arte. O prazer de roubar os bancos é quase igual ao prazer de possuir um Renoir.
Se eu tivesse nascido na América seria agente do FBI.
Se eu tivesse dinheiro para ir à América, andava meses a atravessar o território num descapotável a ouvir Johnny Cash, sem largar as botas texanas e os chapéus da série Dallas.
Se eu não fosse portuguesa seria espanhola ou americana (ou estadunidense, como diz o M. e bem), que é tudo o que quisermos ser.
Se eu não tivesse amigos juro que os comprava. Em leilão ou nas boutiques que eu confio pouco nos saldos.
Se eu nunca tivesse sido amada estaria agora a aprender tudo do princípio, o que até podia ser bom para não fazer parvoíces ou não me armar em parva, que é quase a mesma coisa.
Se eu não fosse a eterna filha, não tinha chegado à conclusão que quero ser mãe.
Se eu não tivesse começado a andar tão cedo (ainda nem dez meses tinha) não tinha os joelhos tortos e viveria a tempo do tempo.
Se eu tivesse feito aulas de canto e de representação podia ganhar um Óscar.
Se eu não delirasse não escrevia posts destes.

poder, esse escultor das relações

Palpita-me que sobre o poder e as relações, ou o poder nas relações, ou o poder das relações ainda hei-de escrever muito. As duas palavras, unidas pelos diferente artigos, sugerem inúmeras combinações e atalhos. E o tempo, que também é um escultor, como dizia Yourcenar, me dará um pouco de si para isso. Espero. Na espera, que não é a acção da vida em que sou melhor, confesso, compenso-me a concluir orgulhosamente que já passei da atracção pelo poder (poderoso afrodisíaco), à consciência da forma como uso o poder ou a ambição dele no início ou promessa de cada relação. É de facto tudo uma questão de poder. Não de quem manda, não de quem chega mais longe, não de quem brilha mais. É o poder de usar a outra pessoa para definir-me como eu acho que devo ser. Arrisco a dizer também: como eu acho que os outros me vêem ou me querem ver. E mais por agora não consigo dizer. É uma questão de tempo.

12 julho 2009

silêncio (ou a contrição de uma tagarela)

"A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio".
Acabei de ler isto no último livro de Miguel Sousa Tavares, No teu deserto. Para uma rapariga como eu que sempre privilegiou a palavra, que tem fama de tagarela, e que, como diz a minha mãe, tem sempre conversa e até consegue falar com um chinês (!), o silêncio é um lugar para onde vou apenas quando estou cansada. Cansada demais para falar, portanto. É a reserva natural que vejo numa imagem da revista, à qual nunca vou mas que está guardada para um dia quando for fazer aquelas férias sozinha no meio da natureza; é a viagem de carro sem ouvir rádio (onde é que já se viu conduzir sem ouvir rádio?) que um dia hei-de arriscar; é enfrentar o mar diz a fio sem que ninguém me atire água ou vá comigo à esplanada dissertar sobre a vida, o amor e as vacas, como dizia o filme; é, enfim, como prescreve o MST, estar ao lado de um homem sem falar, mas também, e isto é o elo que me falta, sem ouvir. Porque eu sou uma boa conversadora, daquelas que também ouvem. Gosto particularmente de ouvir os homens falar e depois segue-se um jogo interminável de ping pong, que é actualmente o único exercício que pratico. Eu ping e ele(s) pong. Os meus amigos já me disseram que eu devia meter-me num frasco e ser distribuída como "desbloqueador de conversa" concentrado.
Lembro-me, a propósito disto, de um episódio que aconteceu há uns anos na faculdade, no bar, mais concretamente, e que gerou risos entre as minhas amigas. Havia um rapaz que nos inspirava, à G. em particular, alguma curiosidade; era calado, não particularmente bonito, mas era aquilo a que convencionámos designar "com piada". E toda a gente sabe que um homem com piada é o suficiente para criar o estado de sítio entre as mulheres. A G. até lhe deu uma alcunha, era o "Turra". E, naquele ano de caloiras, foram meses a fio de trocas de olhares na fila da cantina, no bar, nas festas, nos corredores. O rapaz só falava com rapazes e parecia-me a mim às vezes que de parvo o "Turra" não tinha nada e sabia o efeito que causava, apenas não sabia (ainda, porque entretanto deve ter aprendido) o que fazer com isso. Finalmente, à beira do fim das aulas do primeiro ano, eu, que já tinha transferência agendada para outra faculdade (com muitos menos rapazes com piada, vim depois a descobrir...) decidi livre de constrangimentos ensaiar um jogo de ping pong com o "Turra". Palavra de honra que nem me lembro como começou a conversa, sei apenas que aconteceu tudo de forma muito espontânea, na fila do bar, algures entre o pedido de um Compal de pêssego (na altura ainda não havia o Compal light manga laranja, e eu ainda comia croissants com chocolate, prova de que foi há muitos anos...) e um guardanapo. Algures em campo eu ping, ping outra vez e ele... pong. O "Turra" era um jogador nato, à espera que alguém fizesse o primeiro serviço. Falámos, falámos, falámos, juro que não me lembro de quê, mais de uma hora. As minhas amigas estavam de boca aberta e olhavam para nós com um ar entre o muito divertido e o espantado. Gostava de dizer que foi o início de uma bela amizade, mas não. Há casos assim. No fim do jogo, cumprimentámo-nos, limpámos à toalha o suor que ficou das emoções destiladas e cada um seguiu a sua vida.
A conversa que se seguiu entre as raparigas durou muito mais tempo, muitas horas, e do "Turra" partimos para outros, para outras, para a sempre infindável romaria de assuntos que temos entre nós até hoje. Mas a pergunta que me lançaram de imediato foi esta: De que é que tu tanto falaste com o homem este tempo todo? E eu devo ter respondido a verdade: de coisas. E ao longo da minha vida assim tem sido, arranjo sempre coisas para dizer, para as mais diversas pessoas e feitios, nos mais variados contextos profissionais e sociais, sobre os mais variados assuntos. Já tenho perguntado se dou seca, ao que me respondem invarialvemente que não, que não dou, que sou também boa ouvinte. E eu acredito.
E assim as minhas relações são sempre com muita conversa. Estruturadas por ideias e emoções, por disparates, risos, profundidades e, quero crer, palavras de conforto e de ajuda, mas também indignação, crítica, argumento, provocações e um pouco de "eu sei", "eu já sabia", "eu tenho um presentimento"...
Com os homens, e porque a fala do romance do MST com que inicio este post é a isso que se circunscreve - à relação entre homem e mulher, tem faltado esse silêncio, ou melhor, tem faltado, da minha parte pelo menos, dar valor a esse silêncio. O verdadeiro. Onde eu não falo, ele não fala, e as bolas e as raquetes estão arrumadas a um canto. Se calhar falta-me a capacidade de olhar para um campo vazio, repousar na bancada, ver a rede a baloiçar no vento, como fronteira abandonada entre as palavras que podemos guardar para nós. Porque eu e ele já saberemos de cor todas as palavras que foram necessárias até ao momento, e esperaremos serenamente as que se seguirão, quando retormarmos todas as conversas do mundo que connosco jamais se esgotarão.

09 julho 2009

criações mamíferas 3

Banalizar o sentimento de saudade.

É tão nossa a palavra que somos vítimas dela constantemente. Saudades? Não basta tâ-las ou senti-las. Não basta dizê-las. Há que fazê-las caminhar até ao outro, com a alma a bater nos pés.

08 julho 2009

criações mamíferas 2

Não compreender a diferença entre uma pessoa complicada e uma pessoa complexa.

É assim tão difícil? Uma coisa é arranjar problemas onde eles não existem, outra coisa é enfrentar os problemas porque eles existem. Uma coisa é sujar o tapete de areia porque não se limparam os pés à entrada, outra coisa é a areia estar lá e recusar varrê-la para debaixo do tapete. São mesmo coisas muito diferentes. Fácil.

05 julho 2009

o gosto dos outros 3

"Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não vou"

Estou Além, António Variações

O mais difícil da existência parece ser simplesmente estar. Ninguém quer simplesmente estar. E isso não deveria ser o mais fácil? Nada nos afasta da realidade do verbo estar. Estamos sempre, aqui e agora. Estar é a presença que não se esgota nem se compadece de qualquer emoção. Mal ou bem, com felicidade ou angústia, bem vestidos ou desalinhados, no topo ou nos arredores do que ambicionamos... estamos. O além é uma ilusão. O presente é a única certeza. 'Tá-se.

03 julho 2009

festa (e um exercício de futorologia)

Hei-de andar a passear serenamente na Baixa elevada a Património da Unesco, com o cabelo empoderado de laca amiga do ozono (queira Deus que sem bengala que eu vou fazer shiatsu até morrer), os meus filhos (hoje estou muito optimista) são os políticos que levaram o país a zero por cento de abstenção, os meus netos (continuo optimista a falar assim no plural) vivem felizes numa cidade de bairros, andam em boas escolas públicas e não comem porcarias, as minhas amigas envelheceram bem e continuam a aturar-me, os meus amigos também envelheceram bem e continuam a achar-me gira (hoje também estou particularmente modesta), os homens que amei são todos meus amigos e há-de haver um que escapou e está ao meu lado, não haverá sem-abrigo nem pedintes na rua, Lisboa será a capital da confederação das cidades mais avançadas da Nova Terra (soa tão bem)... e eu hei-de sempre, sempre, sempre... gostar de festa, imagine-se. No culminar da existência é assim que me imagino: a festejar. A rir no meio de vozes e de caras que me aconchegam, com um tinto para comemorar, um colar especial, um vestido que brilhe, o sorriso dos amigos, a lembrança sentida dos que partiram, a música que está inscrita em cada top ten da minha vida. A festa, eu sei, que eu já agora amo tanto, será melhor ainda no final da etapa que comecei nos anos setenta do século passado. O meu mapa do céu estará a completar-se e juntarei todas as comemorações. Serão as melhores festas da minha vida. A bola de espelhos está encomendada e haverá bar aberto.