25 agosto 2009

antes do anoitecer

"Por isso quando pareço não concordar comigo,
reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
voltei-me agora para a esquerda,
mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés."

Fernando Pessoa, Minha incoerência de mim


Quando fiz 15 anos recebi de presente de aniversário das minhas amigas o meu primeiro kit anti-rugas. Fui também a primeira de todas a usar protector solar, numa altura em que andava tudo a besuntar-se daquele creme de cenoura que vinha de Espanha num boião e dava "um bronze", achava-se, espectacular. Havia ainda umas loucas que se banhavam em coca-cola, e eu benzia-me. Lembro-me bem quando fui à farmácia comprar o meu primeiro protector solar "especial para a cara", a senhora olhou para mim intrigada e perguntou-me se eu tinha algum problema de pele. Acho que lhe respondi que não, mas que também não queria ter. Ainda guardo o cheiro e a textura, era da marca Copertone e tinha factor de protecção 15, o mais alto que havia. Fui sempre, portanto, uma rapariga preocupada com a saúde da minha pele e embora tenha vivido grande parte da minha vida perto de praias, acabei por receber, já depois dos trinta, o maior elogio que se pode ganhar de um dermatologista: A menina não parece a idade que tem e isso é porque se protege do Sol. Eu sabia. O C. dizia que eu chegava a provocar insolações ao Sol, pois os raios reflectiam na minha pele e voltavam a ele ainda mais fortes... Ainda hoje, se algum amigo se esqueceu do protector, ninguém quer o meu : Não Ana, com o teu a gente não se queima. Mas eu queimo-me só com um arzinho. Sorte. Se não fossem os protectores ficava mesmo preta. Por isso sempre cumpri com brio o horário recomendado pelos médicos: sair da praia ao meio-dia e só regressar depois das quatro. Linda menina. E o que eu tenho infernizado as pessoas à minha volta com esta doutrina. Fundamentalista, gótica, exagerada, chata (o mais vulgar), etc. tenho ouvido de tudo, mas sempre, é certo, de forma carinhosa, como se eu fosse a voz da consciência em época balnear. E até já consegui que algumas amigas começassem a usar ecrã total (adoro este nome) todos os dias. São elas que me vão bater quando lerem o que aqui vem:
Este Verão virei-me ao sol sem temor. E tenho estado na praia na hora proibida. Ana, vamos embora. Nããooooo quero ficar mais um bocadinho, está tão bom. E durmo e viro-me no espeto, entorpecida pelos raios que penetram com prazer nas minhas costas. Bolas, e se sabe bem. Só falta arranjarem-me um protector solar com sabor a molho de churrasco. Por isso hoje fiquei de molho em casa, à sombra. Acordei com a cabeça tola a dar para o outro lado da almofada, escondida de vergonha, a pensar: o Sol vingou-se. No corpo tenho o cheiro a alfazema duma pomada para pruridos e alergias que, segundo o farmacêutico, este ano anda com muita saída. E dói-me o corpo todo, ai ai. Arrasto-me da cama para o sofá, e do sofá para a varanda, e da varanda para o chão. Pois é Ana Cristina, afinal também pertences à maioria que enlouquece no Verão. Meu querido mês de Agosto, sou uma entre tantas. E sou, mesmo quando me viro do avesso, sempre eu. Amanhã volto ao meu horário normal. A beleza e a saúde, por esta ordem (a sinceridade suaviza o pecado da vaidade), agradecem.

orgulho

Às vezes gosto de provocar e sinto orgulho nisso. Dá-me para isso instintivamente sempre que estou na presença de alguém que cai na exuberância intelectual, na arrogância de tudo achar saber. Quando começam a elencar doutrinas e autores lidos como se fosse uma lista de supermercado fico tão enjoada como quando andava no Expresso das Beiras, de Lisboa à Covilhã. A vertigem que sinto é semelhante à que sentia quando passava em Alpedrinha e fechava os olhos para não criar imagens mentais de um autocarro a cair por ali abaixo. E é isso que me apetece que aconteça a essas pessoas: que caiam por ali abaixo do pedestal académico. Que dizer? Não tenho paciência. Admiro pessoas sábias e inteligentes. Gosto de estar na sua presença, de ouvir, aprender, e para mim a inteligência é, não escondo, um afrodisíaco potente. Não suporto é quem enverga a erudição como identidade e humilha quem à sua beira emite inocentemente uma ou outra vibração, por muito ténue que seja, que possa servir de alimento ao apetite voraz dos intelectuais por disparates, erros e omissões. A última vez que senti a náusea do Expresso das Beiras, claro está que pequei mais uma vez. Depois de assistir a um vergonhoso debate entre um intelectual e uma pessoa inteligente (logo que não sabe tudo nem sonha saber), dei por terminada a conversa que pendia finalmente para o meu lado desta maneira: Ó pá não sei nem me interessa a tua pergunta, sabes, desde que saí da faculdade só leio a Vogue. Depois deixei o intelectual em Alpedrinha, a olhar lá para baixo, peguei na pessoa inteligente e fomos beber copos.

24 agosto 2009

meu querido Agosto

O pai que empurra o carrinho. O bebé alagado em suor com o chapéuzito comprado para as férias a dar com o fato de banho. A mãe que carrega as papas, as fraldas e as mudas de roupa. O avô que orienta a direcção a tomar na praia. A avó que ora segue refilando de algum contratempo a que ninguém liga ou sorrindo pela prole que iniciou. As avós são complexas. E depois os adolescentes que só querem que os primos mais velhos os orientem logo à noite para sair. As miúdas comparam fatos de banhos e tops. Os miúdos armam-se. Mostram-se todos bronzeados e elas empinadas em saltos que lhes entortam o andar. Mas persistem, não desistem de fazer figura. E não desistem daquelas calças ao fundo da barriga que não favorecem a figura e sairam de moda. Os miúdos são giros. Sorrio sempre ao vê-los. A verdade é que gosto de adolescentes. Sobretudo em férias quando a parvoíce e a inocência se mostram de barriga ao léu e com os cabelos em trejeitos que parecem terem sido encomendados de mota. A adolescência comove-me. E antes disso, as crianças. As crianças não me comovem, despertam-me e fazem-me rir de alegria. Ainda hoje um puto de sete anos ao ser contemplado com um espirro de uma senhora mais velha, que não teve tempo nem equilíbrio no barco para seguir as regras anti-gripe A, levantou-se a correr para o lado oposto da lancha com as pequenas mãos a tapar cada sarda do seu rosto, o nariz e a boca, os olhos muito esbugalhados, e desconfio que ficou sem respirar o resto da viagem. Tive de me conter para não dizer à mãe daquela criança que tinha parido um belíssimo contributo para o nosso futuro. Mesmo giro o rapaz. Do outro lado, os velhos locais de olhar húmido que assistem como eu ao desfile de tudo isto. Pergunto se sentirão o mesmo que eu. Ou se eu já serei velha e olho para tudo como eles. Não pergunto se vemos o mesmo, pergunto-me se veremos da mesma maneira. Com o distanciamento próprio de quem não se quer já, ou ainda (?), comprometer. Como se os outros estivessem num casting, no qual não haverá vencedores nem vencidos, todos têm o seu papel, mas que eu observo sem vergonha e sem nenhum fim a não ser esse mesmo - assistir à beleza da condição humana. Sempre assim foi desde criança, observar os outros tornou-se a maior fonte do meu rendimento escolar e profissional. Às vezes dão-me cotoveladas e pontapés debaixo da mesa para eu parar de olhar que as pessoas podem sentir-me mal. Mas não é por mal que eu o faço. É uma paixão. Eu sou apaixonada por pessoas. Pelas suas fraquezas, pela coragem de viver, pela sacanice, pela humildade, pela incoerência, pela estupidez, pela inteligência... Porque são as pessoas que me provocam mais emoções. Da raiva à compaixão, fazem-me sentir. E sentir é a única coisa que não nos faz arrepender de ousar crescer. Agosto, mês de estágio de todas as esperanças, destila o povo que há dentro deste país. Não é assim um mês tão estúpido.

21 agosto 2009

felicidade

A felicidade pode ser como as sobremesas sem açúcar. Todo o prazer com menos calorias. Às vezes até sem glúten e produtos lácteos.

Ver a minha mãe entrar mar adentro até ao pescoço, esfregar os olhos e conferir que não estou com uma alucinação provocada pelo excesso de sol. É possível perder o medo da água depois dos... depois de alguns, bastantes, anos de existência (ela não ia gostar que eu escrevesse aqui a idade dela);
Encontrar por mero acaso na esplanada o meu primo mais velho, que é, dizem, a minha versão masculina, e que quase nunca vejo porque a minha família é um arranjo celestial de dadores de sangue - só nos encontramos quando o quadro clínico exige urgentemente uma transfusão de afectos;
Dormir na areia e acordar com o cheiro a bolas de berlim;
Deliciar-me com mojitos e perceber que há vida e fígado para além do gin tónico;
Comer cadelinhas (abaixo de Sesimbra é conquilhas) apanhadas pela minha irmã, que passa o dia a fazer uns movimentos estranhos na areia com as ancas e com as pernas, que eu nunca consegui fazer e acho ridículos. Mas nunca digo não a cadelinhas. Amanhã nunca se sabe se volta a haver (já dizia um dos blogues que tenho aqui ao lado);
Ver famílias felizes sem ar de frete;
Ver mulheres bonitas, porque muitas mulheres bonitas fazem-me sentir mais bonita;
Ver homens bonitos, porque os homens bonitos fazem-me querer ser mais bonita;
Ver muitos bebés e muitas grávidas. Ao ritmo a que está a minha geração, não só se salva a Terra, como ainda havemos de conseguir que haja vida em Marte;
Descobrir um bom restaurante sem guias nem gps gastronómicos, apenas pelo cheiro e paladar para as surpresas;
Comer sopa de tomate com ovo esclafado depois de um dia de praia;
Tirar o biquini, ver os contrastes na pele provocados pelo sol e depois tomar duche de água fria, depois quente e depois fria outra vez;

Só não acredito na felicidade que é como os produtos light. Levam uns substitutos manhosos e ainda fazem pior.

16 agosto 2009

a inveja

A inveja é um pecado feio. Tão feio que até nos consome a beleza. As poucas rugas que eu tenho (a vaidade é um pecado menos feio...) talvez as deva às energias mais negativas que consumo a invejar as pessoas que viajam. É um misto de admiração e de, não há como evitar, inveja pura. Senhor padre perdoai-me porque pequei.. mas bolas, eu também já não me confesso desde que fiz o Crisma e agora até parece mal ir lá para confessar isto. São os que vêm de Nova Iorque, e os que passam a vida em Espanha, e os que já foram "ao Brasil, Praia e Bissau" (esta cantiga não soa aqui bem, porque eu também já fui ao Brasil e à Praia de Cabo Verde...), mas não fui a "Angola, Moçambique, Goa e Macau", nem sequer conquistei grande coisa além fronteiras. Quando oiço falar em Itália, babo-me, se me contam coisas da América, então enlouqueço. E a Argentina? Bem, só de pensar em Buenos Aires estremeço, é que eu quero ir dançar tango e ver um casamento a sair da igreja à meia-noite. Eu até gostava era de casar à meia-noite, porque quando me casei ao meio-dia estava muito calor. E também quero ir à Austrália e ao Alaska, e a Praga, a Budapeste e a tudo o que há na Europa para ver. E quero voltar a Paris, e a Londres, e a Madrid e a Barcelona e a sei lá mais onde. Depois dizem-me que tenho de baixar a fasquia, sujeitar-me a hoteis menos estrelados, a comer hamburguers e enlatados, e a dormir de quando em vez numa tenda... E têm razão. Tenho muitos amigos que não são ricos, alguns até ganham menos do que eu, e fartam-se de viajar. Invejo o seu espírito. Invejo que não façam a figura triste que eu fiz em Londres quando esfomeada, e sem vontade nenhuma de ir ao MacDonald's pela enésima vez, me pespeguei contra o vidro de um restaurante com muito bom aspecto e ninguém me conseguia arrancar de lá. E eu, juro, estava disposta naquela noite a usar o cartão de crédito para pagar o jantar a toda a gente. Não me deixaram. A ditadura daquela viagem com poucas libras foi muito pedagógica e quando me lembro das nossas aventuras naquela Londres, que na altura estava mesmo muito cara, apetece-me beijar as minhas amigas e dizer-lhes que valeu a pena o hotel vão de escada... A WC era tão fria que todas queríamos tomar banho por último para ver se a divisão ficava mais quente.
Depois, deixem lá também desculpar-me com a educação, sempre vivi com um lema: mais vale um fim-de-semana no hotel, que um mês no campismo. Os meus pais, longe de serem ricos, sempre preferiram uma semana de férias a comer em restaurantes a um mês a ir à praça comprar peixe para o almoço. Ou seja, as férias tinham de significar conforto e, para a minha mãe, o luxo de não cozinhar e apreciar a boa gastronomia. E eu acho que eles fizeram bem. E como sempre vivemos perto da praia, havia férias o Verão inteiro. Mas os meus pais nunca foram viajantes, nem me ensinaram a sê-lo. Tenho de aprender sozinha a conjugar uns piqueniques no Central Park com um jantar no Per Se; ou uns enlatados, com os pés de molho numa fonte romana, com uma pasta al dente feita por um chef igualmente al dente. E haverá sempre uns trocos para un gin tónico e um vestidinho a dar ares que não sou assim tão pobre. E ando cá com a mania de casar-me em Buenos Aires. Sim, eu quero ser viajante. Vou poupar nas peneiras e nos euros para fazer umas milhas antes que arda no inferno.

15 agosto 2009

à noite todos os gatos são diferentes

Tenho um preconceito estúpido. Isto se considerarmos, e eu considero, que há preconceitos menos estúpidos que outros, ou pelo menos mais justificáveis que outros. Já são mais do que muitas as vezes em que dou comigo a gabar-me de nunca me ter relacionado com alguém que conheci na noite. Não sendo uma coisa propositada (nunca calhou assim), este facto reconcilia-me. Se calhar serve de equilíbrio à minha natural tendência para a boémia, género: Estão a ver? Eu gosto muito de sair à noite mas não sou uma perdida. (Eu avisei logo que era um preconceito estúpido).Talvez porque embirro, precisamente, com essa associação leviana que frequentemente se faz da acção de engate à noite, como se as pessoas só saissem para procurar gajos(as). Ainda no outro dia quando disse a uma amiga que não tem namorado que devia sair mais, ela respondeu-me: achas que eu vou sair para o engate? Valha-me Deus! Apeteceu-me bater-lhe. É que para mim sair à noite é sair ao encontro dos outros e de nós, e de nós com os outros num contexto de evasão, preferencialmente com uma boa banda sonora, alguma bebida para brindar, muita conversa e talvez dançar e sentir o outro lado do dia. E sim, até se pode conhecer alguém interessante. Mas sobre isso eu não sou o melhor exemplo. Já dei comigo a inventar profissões e nomes que não tenho, a ficar com números de telefone aos quais nunca ligo e a dizer muitas vezes: Sabes? Não vale a pena. Mas também já conheci pessoas de quem fiquei amiga e que de dia não me desiludiram. E também já reencontrei amores à noite. Agora, encontrar o amor na noite? Só se for num dia muito especial.

momento google

Parece que houve alguns leitores que levaram mais a sério o meu post sobre numerologia e perguntam-me como se fazem as contas para saber qual o nosso número de base, ou o número de vida. Bem, eu avisei que sou uma leiga no assunto, mas sou também, quer queira quer não, uma mulher devotada ao serviço público. Assim, pelo menos para calcular o número de vida acho que posso ajudar; é o mais fácil de todos.
Cá vai um exemplo:

Data de nascimento - 19/7/1975
1+9+7+1+9+7+5= 39
3+9= 12
1+2= 3

Nada que não se encontre no Google, mas há quem goste de me ouvir...

Carrie de trazer por cá

As minhas amigas querem que eu seja a Carrie da série o Sexo e a Cidade. E a R. é quem tem mais essa mania. A R. meteu mesmo na cabeça que eu sou a Carrie. E está sempre a perguntar: Quando é que escreves sobre mim? Quando é que contas as nossas coisas? Quando escreves um livro sobre as mulheres e os homens? Palavra de honra que eu fico sempre a olhar para ela a pensar que ela é de tal forma minha amiga que distorceu as minhas capacidades e vê-me com um outfit que não é o meu. E que outfit tem a Carrie! Já lhe expliquei que o meu cartão de crédito não tem plafond para o que ela me pede. Mas ela é como os bancos nos anos 90, dá-me crédito e depois logo se vê.
A R. nem sequer é a maior fã da série, gosta mas não é a sua série de culto. Só que o Sexo e a Cidade, mesmo para quem não é fiel seguidor, ampliou no pequeno ecrã as virtudes e os segredos que tecem a amizade feminina. As costuras que unem cada pedaço de tecido das roupas que compramos juntas e vestimos quando vamos sair, as palavras de conforto e de alegria após um desaire ou sucesso amoroso, as discussões sobre as diferentes perspectivas da vida, os batons e outros acessórios fúteis que cobrem a auto-estima e dão um novo significado à palavra supérfulo. Mas o que sempre prevaleceu no guião de cada episódio é a amizade. Esse é o verdadeiro objecto trendy da série, mais do que o sexo ou a cidade. Embora, ainda hoje haja quem considere que as histórias se resumiam a muita depravação com sede em NY... O que é uma pena. Eu até costumava, a propósito disso, ter uma regra para distinguir os homens; aqueles que viam a série dessa maneira eram logo saneados. Só serviam para amigos, porque aos amigos tudo se perdoa.
Tenho Charlottes, Mirandas, Carries e Samanthas entre as minhas amigas todas. Samanthas, por acaso, estão em minoria (para eventual tristeza dos leitores masculinos deste blogue). Carries? Só conheço mais uma... a T. Mas acima de tudo, tenho amigas com um bocadinho de todas elas. Eu não me importo de ser a Carrie de serviço e tentar pô-las ao corrente de si próprias sempre que calhe. A R. fica contente.

(A R., já agora, é Carrie pela parte dos sapatos e Charlotte por várias outras partes, incluindo a afeição por seres caninos).

dicas

Há muito tempo atrás um amigo que me é muito querido, e que leva alguns anos de avanço sobre mim, disse-me que só há duas coisas que temos de saber sobre a vida: primeiro que é muito melhor estar vivo do que estar morto; segundo, a vida é muito, mas mesmo muito, irónica. Lembro-me que fiquei a olhar para ele com aquele ar que faço de menina que está a acreditar no que os mais velhos dizem, mas por trás está a tramar a próxima... e pensei que, no mínimo, ele era básico. E eu estava, pois claro, uns furos acima. Ontem lembrei-me desse episódio e fartei-me de rir sozinha. Tinhas toda a razão pá. Só acrescento uma coisa: A vida, além de irónica, é muito, mas mesmo muito, engraçada.

12 agosto 2009

numerologia

De todas as ciências que derivam da viragem espiritual do mundo que estamos a viver (até os mais cépticos sabem que isto é verdade, pois eles são os primeiros a notar que anda tudo noutro mundo), a Numerologia, na qual sou absolutamente leiga, é das que mais me fascina. Talvez porque a Matemática seja ainda para mim um mistério e uma disciplina muito pouco merecedora da minha concentração. Mas confesso que já tive a oportunidade de falar com uma numeróloga e não resisti a saber qual é o meu número! Embora não tenha conseguido acompanhar os cálculos que ela escrevinhou no papel, pois eu acho que há coisas que só os profissionais devem fazer (mais ou menos como a depilação, jamais experimentarei em casa), o que ela me disse bateu certo. Quem me conhece já deve estar a pensar: Pois claro que bateu certo, tu acreditas em tudo! É verdade. Sou uma crente. Eu e o agente Mulder dos Ficheiros Secretos.
Todos temos um número de base. O número da nossa essência. Depois vêm as combinações dos números que vamos somando ao longo das várias fases, idades e datas da nossa vida. Pelo que entendi dos cálculos, há ainda a juntar aos algarismos das datas de nascimento, e outras, o nosso nome completo, pois a cada letra corresponde também um número. Assim, vamos somando números ao longo da vida. Até aos 20, por exemplo, podemos ter estado a vibrar no número 3, a que correspondem determinados problemas, alegrias, missões e tarefas, e depois podemos passar para a ressonância do número 6 que emite novas frequências... Enfim, não é fácil para os leigos. Por isso, aqui vai a minha numerologia alternativa. Tudo ficcionado... mas, afinal, todos fazemos números.

1 - Exige muita responsabilidade e pode ser um verdadeiro tormento. Ou se é sempre o primeiro da turma a ir ao quadro resolver os problemas de Matemática, ou tem-se fama de líder. É o número da solidão e nesta vibração ninguém se casa, ou se se casa divorcia-se ao fim de um ano, claro. O sexo costuma ser raro, pois toda a gente tem medo de não ser o number one na função.
2 - Dizem que é bom e mais do que isso é multidão. Vive-se sempre para alguém nesta vibração. Corre-se o risco de esquecer o mundo à volta e normalmente dá azo a comprar casas, carros e meter-se em despesas desnecessárias. O 2 costuma incitar a ida aos bancos para contrair empréstimos. A parte boa são as viagens que favorece a sítios paradisíacos com praias de água quente, dando origem ao uso e abuso de palavras disparatadas.
3 - O 3 muitas vezes estraga o 2. Pode surgir na vida em forma de pequena criatura que não anda nem fala, chora muito e traz um número infinito de necessidades. O 3 é estranho e pode emitir muitas vibrações. É o número associado a triângulos amorosos, ilegais e consentidos. Favorece os crimes passionais. É considerado a conta certa que Deus fez para iniciar qualquer coisa: 1, 2, 3...
4- É o número em que se cai mais. Cai-se de 4 normalmente por tudo e por nada que valha a pena. Mas no 4 não existem os traumas do 3, sendo o número com uma vibração média mais apropriada para a concretização de uma família feliz, que cabe bem num carro médio e na mesa de qualquer casa. Há sempre 4 cadeiras na casa nova, antes de se ter dinheiro para comprar 6, e depois 8, ou, loucura, 10 ou 12. O 4 é quando se é mais médio em tudo e favorece a felicidade e a serenidade, pois percebe-se que a normalidade pode ser boa.
5 -É o princípio do desasossego. Nesta ressonância há sempre alguma coisa pendente. É-se ímpar e isso pode trazer problemas de adaptação. Emite vibração para beber muito chá e chatear o próximo. Tem-se a mania da liberdade e de receber muitas massagens ao ego e nos pés.
6 - Está-se sempre a seis graus de alguma coisa e de alguém. Diz-se que neste vibração encontra-se gente de todos os cantos do mundo e viaja-se para territórios pouco explorados. Favorece o encontro com estrelas de cinema e o aparecimento nas revistas cor-de-rosa. Nesta ressonância tudo é possível: ganhar um Óscar, jantar com o Johnny Depp ou dormir com duas top models de uma vez.
7 - Tem muito má fama. Suicídios, assassinatos, a chegada ao fim de uma série televisiva de culto, ondas gigantes no Algarve, eleições antecipadas... tudo é possível acontecer sob a vibração do 7. A crise dos 7 anos nos casamentos ainda é o que costuma acabar melhor, de resto, sob esta vibração mais vale não sair de casa nem ligar a TV. Se é um número 7 de base, então mais vale processar os pais e reencarnar assim que se possa noutra vida.
8 - O número que favorece a beleza. Nesta vibração os corpos adquirem as curvas no lugar certo. Arranja-se sempre um dinheiro para um operação plástica, come-se menos e vai-se ao ginásio como se caminhássemos para um restaurante italiano ou para os braços de um(a) amado(a). Dá-se o corpo sem a alma, mas a alma fica feliz na mesma.
9 - Nesta vibração anda-se à procura da felicidade como se ela viesse num mapa que ninguém consegue decifrar. É aqui que se compram mais GPS e as mulheres discutem mais com os homens por eles não quererem parar para perguntar a direcção dos sítios. É a ressonância mais responsável pelo gasto excessivo em combustíveis e ansiolíticos. As relações disfuncionais estão favorecidas e as idas ao psicólogo também.
10 - Nesta vibração surgem os upgrades. Sobe-se na vida, seja a nível material, nos empregos e na conta bancária, seja no plano emocional. O número 10 diz que já se sabe mais qualquer coisa, sugerindo crescimento, mas também a necessidade de saber o que fazer com tanta informação. É que nunca se sabe bem qual o valor do zero, apesar de ele fazer toda a diferença... Os 10 andam meio perdidos.
11- O número dos iluminados. Já se sabe tudo e é-se vítima da raiva alheia e das más línguas, Inclusive tende-se a ser alvo do cognome "chifrudo". Os 11 deste mundo estão a fugir para outro mundo e vivem actualmente em colónias muito à frente do nosso tempo. Há vôos especiais para lá, com partida de um aeroporto na OTA. Sim, ele existe mas só alguns o vêem... turururu

o gosto dos outros 5

I choose to hide, but I look for you all the time
I choose to run, but I’m begging for you to come
I wanna breake, but I know that you can’t take
I stay a while, to be sure that you by my side

Rita Redshoes, "Choose Love" (álbum "Golden Era", 2008)


Será que as nossas escolhas servem, afinal, apenas e só para contrariar as vontades que escondemos?

conto do imprevisto

A menina do capuchinho vermelho apaixona-se pelo lobo mau e vão viver para um castelo no alto de uma montanha. Todos os dias a capuchinho lhe dá beijos na esperança que o monstro vire um belo principe. Mas os monstros são sempre montros e as meninas que gostam de monstros vão sempre gostar de montros, sobretudo as mais belas. Um dia, quando a capuchinho já se tinha habituado à ideia de que o lobo nunca ia ser principe, bate à porta outra bela menina que traz um sapato na mão e pergunta se o lobo mau pode experimentá-lo. A capuchinho diz que sim, até porque ele não tem sapatos nenhuns de jeito e não gosta de ir às compras. O lobo mau calça o sapato e para supresa da capuchinho transforma-se num principe muito giro e cheio de estilo. O lobo mau que já não é lobo, mas continua a ser mau, apaixona-se pela bela menina que lhe deu o sapato e põem-se os dois a milhas num cavalo branco para outro castelo noutra montanha.
Moral da história 1: Nunca se deve deixar um homem andar descalço.
Moral da história 2: Lá porque um monstro virou principe, não quer dizer que outra mulher não o faça virar monstro outra vez.
Moral da história 3: Um homem é sempre um monstro e um principe em potência.

E andam todos a ver se vivem felizes para sempre.
The End

cidade euro

É uma questão de sobrevivência por estes tempos em Lisboa trazer sempre connosco pelo menos uma moeda de um euro. Sobretudo à noite. Há sempre alguém que nos pede alguma coisinha para comer, e que não, não é para aquilo que estamos a pensar. Eu já nem penso. Dou sempre os dois ou três euros que levo no bolso. O que mais me chateia é que já nem é por solidariedade, nem sequer por caridade. Já não há ideologia de direita ou de esquerda que me salve nisto. Dou por automatismo e desejo sempre boa sorte e, entrelinhas, que não me mace mais. Só consigo dizer não aos senhores das rosas. Sou alérgica, digo-lhes. Tempos estranhos estes em que dar não passa de um verbo de encher.

11 agosto 2009

birras (ou como gerir a causa da independência)

Depois do último fim-de-semana percebi melhor porque é que quando Alguém resolveu fazer a minha maqueta genética pôs lá uma grande torre chamada Independência. O raio da torre é alta que se farta, tem uma escada em caracol que desmotiva os mais persistentes e eu raramente desço e molho os pés no fosso que está à volta com um dragão psicadélico... A minha torre da Independência é o meu monumento de estimação, classificado pela UNESCO e tudo.
No último fim-de-semana percebi que preciso urgentemente de encomendar ao Arquitecto um projecto que reenquadre urbanisticamente e de forma sustentável a torre no resto do condomínio, pois corro o risco de ter cada vez mais dificuldade em manter o edificado em bom estado à custa de não querer abdicar das velhas estruturas... Obrigada a todos os que no último fim-de-semana aguentaram com a queda de alguns tijolos em cima da cabeça. Estar convicta da razão não justifica tudo e seguir o rebanho pode ser altamente pedagógico. Tenham lá paciência comigo, mas a reabilitação urbana é uma tarefa de jurisdição partilhada e uma grande chatice para os governos em causa própria.

emoções com BI

Pensei melhor e com o incentivo de várias famílias (isto da amizade é um bocadinho como a máfia, há laços inquebráveis) resolvi assumir a maternidade deste blogue. Afinal o problema das emoções começa logo quando não as assumimos. Doravante assino AS, de Ana Santiago, e pronto.

04 agosto 2009

Duplo amor?

A ideia de ver o Joaquin Phoenix dividido entre o amor por duas mulheres foi o suficiente para me pôr a andar para a minha sala de cinema preferida em Lisboa. Bem o Joaquin era capaz de me pôr a andar para qualquer parte do mundo se me desse razões para isso... E também o Johnny Depp, e o Benicio del Toro, e o Clive Owen... Sofro de vários duplos amores, o que é uma tragédia nos tempos insubmissos que correm. Ou como me disseram há uns tempos "tu não resistes a um pedaço de mau caminho". O Joaquin interpreta em Duplo Amor (Two Lovers no original), do realizador James Gray, um homem perturbado e complexo (não são sempre os melhores?), dividido, leva-nos a crer o título em português, e o trailer (que dá uma ideia errada, não necessariamente melhor, do filme), entre o amor por duas mulheres, não sabendo qual delas há-de escolher. Mentira.
À medida que o filme avança, e avança ao ritmo da mente bipolar do protagonista, percebe-se que Two Lovers não é mais do que isso: existem duas mulheres com quem se envolve, mas pelas quais não nutre o mesmo sentimento e entre as quais nem sequer está dividido. A duplicidade do Joaquin (Leonard) reside na escolha que tem de fazer entre quem ama de verdade, ou por quem está mesmo apaixonado (Gwyneth Paltrow, que interpreta a Michele, emocionalmente desconfigurada e apaixonada por um homem casado), e quem o ama de verdade e é emocionalmente mais estável (a Sandra, personagem mais sem sal, interpretada por Vinessa Shaw). O duplo amor é apenas e só, e não é pouco, um duplo amor por si mesmo, reflectido na forma como Leonard terá de escolher entre a forma como quer amar-se e viver consigo mesmo até ao fim da sua vida mais próxima.
Fora este um filme mais complexo, mesmo à medida de um bipolar em convalescença frágil, e apresentar-se-iam mais mulheres no elenco (embora a mãe de Leonard, representada por uma muito envelhecida Isabella Rossellini, seja também mais um amor a que o personagem tem de corresponder e dar afectos), porque a forma como escolhemos viver o amor e a vida toda ela não passa apenas por duas opções. Vendo bem, são milhares as opções, cada uma delas escarrapachada nas pessoas com quem nos vamos relacionando. E não há uma opção igual à outra, tal como não há ninguém igual a ninguém.
E se a bipolaridade (e não é à toa que o argumento atribui esta doença ao protagonista) mais cedo ou mais tarde atravessa todos nós - nem que seja quando nos ataca nalguma etapa mais fragmentada da vida, em que entramos em piloto automático e passamos por cima das emoções negativas e saltamos imediatamente para o pólo oposto (onde vamos curtir, porque a dor dói e isso é muito chato para a nossa espécie) - o filme leva-nos a algumas conclusões:
- Não se ama da mesma maneira duas pessoas (ou mais). Isso é uma grande treta e é uma treta em que muitos caem. Aliás, o Leonard sabe desde logo, e nós também, que a Sandra dá-lhe até uma certa pica e algum conforto, mas a é a Michele quem personifica o desejo de fundir-se de corpo e alma.
- Não há escolhas erradas. O Joaquin acaba por ficar com a Sandra porque a Michele (Gwyneth) volta para o homem casado que entretanto deixa a mulher. Ou seja, não escolheu a Sandra, apenas escolheu uma forma de felicidade após a primeira hipótese não dar certo... Irrita um bocadinho, mas não se pode culpar o homem. Se alguém se devia queixar era a Sandra, a designada "sem sal", que no entanto também escolhe não ser a number one. Já uma vez escrevi que dos orgulhosos não rezam com sucesso as histórias de amor.
- A ideia de que o caminho mais difícil é sempre o mais apetecível não é assim tão óbvia e linear. Há quem desista à partida do inalcançável ou de que custa um bocadinho mais a conseguir. Digamos que o caminho difícil é apanágio dos complexos. E há, dêem-se graças a Deus, muita gente simples neste mundo, a quem não falta um pingo de inteligência. A anemia intelectual nem sempre produz escolhas simples e fáceis. Os bem nutridos de QI também não procuram necessariamente sempre o fruto mais proibido. Há escadas que não se lançam ao cimo da árvore mais alta do pomar nem com toda a inteligência do mundo. E há quem se limite a colher apenas os frutos que caem das árvores, mesmo que estejam podres.

Leonard, o bipolar em convalescença frágil deste filme, escolhe a melhor forma de amor por si que consegue vislumbrar no momento. Mas ao menos subiu à árvore. Que ninguém lhe puxe a escada e o deixe cair. Um dia ele próprio cai em si. Um dia todos caímos em nós.